Revista do Brasil - Segredos do Caribe
Escrito por Guina
em 14 de jan. de 2012
As evidências de que o dinheiro que arrematou estatais leiloadas pelo governo FHC enriqueceu também gente muito próxima do núcleo tucano transformam um livro em best-seller e a mídia em avestruz – e sugerem uma nova agenda política para o novo ano
Por: Anselmo Massad, Rede Brasil Atual
No final dos anos 1990, Aloysio Biondi, aos 40 anos de profissão, era respeitado no meio jornalístico por não paparicar fontes nem políticos. Costumava guardar recortes de jornais, consultar documentos públicos de bancos, empresas, diários oficiais, fuçar balanços, fazer contas. Crítico do processo de privatizações desencadeado pelo governo de então, as portas começaram a se fechar. Suas colunas na Folha de S. Paulo foram reduzidas, e seu cachê, idem. Seus textos foram parar no extinto Diário Popular e em veículos da imprensa sindical. Antes de morrer, em julho de 2000, deixou o livro "O Brasil Privatizado". “O balanço geral mostra que o Brasil ‘torrou’ suas estatais, e não houve redução alguma na dívida interna”, escreveu.
Esse legado investigativo foi fonte de inspiração do jornalista mineiro Amaury Ribeiro Jr., como ele credita nas primeiras páginas de "A Privataria Tucana", lançado em dezembro. Graças à internet, o livro sobre mazelas políticas do país virou campeão de vendas no fim do ano – e promete ser determinante para a história de 2012.
Recheado de documentos públicos e obtidos em processos judiciais, a reportagem atira para diferentes lados. E pode ter ferido de morte expoentes do PSDB, envolvidos no processo de privatização durante a década de 1990.
Que a venda de estatais foi pautada por convicções ideológicas e interesses do mercado, até os beneficiados por elas admitem. A falta de transparência, a confusão entre interesses públicos e privados e as suspeitas de irregularidades permearam o processo. Reportagens publicadas no período ofereciam farto material – em fontes oficiais, escutas telefônicas e documentos de contas em paraísos fiscais.
A mesma velha mídia que fechara portas a Biondi reagiu com silêncio sepulcral. “Quando peguei a Veja da semana e vi que não tinha nada sobre o livro (risos)... Percebi que demos um nocaute na grande imprensa, na blindagem que têm os tucanos”, disse Amaury Ribeiro Jr., em debate realizado no auditório do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que Biondi também frequentou. O livro só foi mencionado em páginas de jornal e de revista quando apareceu entre os mais vendidos.
A investigação de Ribeiro Jr. começou em 2001, quando, recém-transferido para O Estado de Minas, em Belo Horizonte, foi encarregado de acumular material contra José Serra. A encomenda era proteger Aécio Neves, então e atual presidenciável tucano.
E o caso viria à tona em 2010, quando o jornalista foi apontado como membro de uma suposta “central de inteligência” da campanha petista pela eleição de Dilma Rousseff à Presidência da República. Ele acredita ter sido vítima de uma armação para incriminá-lo, na tentativa de criar uma “vacina” contra uma eventual publicação do livro durante o processo eleitoral.
O jornalista revela documentos que indicam pagamento de Carlos Jereissati – do grupo La Fonte, que venceu o leilão para a compra da Telemar em 1998 – a Ricardo Sérgio de Oliveira.
O ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e tesoureiro de campanhas eleitorais de FHC e de Serra é apresentado como “artesão” dos consórcios de privatização – trabalho para o qual teria sido remunerado “extraoficialmente”. Documentar esse papel é, na visão do próprio Ribeiro Jr., uma das novidades do livro.
O ex-governador paulista é outro dos personagens centrais, tanto por iniciativas de contratar empresas de espionagem com dinheiro público no Ministério da Saúde e no Palácio do Planalto como por ter familiares envolvidos em operações de lavagem de dinheiro. A filha Verônica, o genro Alexandre Bourgeois e o primo de sua mulher Gregório Marin Preciado são os acusados.
Outros personagens carimbados das privatizações também aparecem, e vão além da figuração. Daniel Dantas, dono do banco Opportunity e protagonista dos malfeitos investigados pela Operação Satiagraha, da Polícia Federal, em 2008, é um deles.
São descritas operações ilegais para trazer ao país dinheiro guardado no exterior. Há curiosas revelações relacionadas à sociedade entre a irmã do banqueiro, Verônica Dantas, e a xará Verônica Serra. A parceria na Decidir.com estabelece um elo umbilical entre uma figura cercada de suspeitas e o núcleo familiar do cacique tucano.
Modus operandi
Boa parte das operações descritas pelo autor segue caminho semelhante. Por meio de doleiros, recursos de provável desvio de verbas ou pagamento de propinas é remetido ao exterior. Isso aconteceu em profusão por meio do Banestado, banco estadual paranaense, liquidado em 2000 pelo Banco Central. A lavanderia operada nos quatro últimos anos de existência da instituição incluía passagem pelos Estados Unidos para, depois, aportar nas Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, e outros paraísos fiscais.
Na hora de trazer o recurso de volta, a chamada internalização, simula-se um investimento direto de empresa estrangeira em um empreendimento nacional. Por isso, a transação pouco comove o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, que fiscaliza essas movimentações.
Mas a farsa cai diante da revelação de que as operações nas quais os mencionados no livro se envolveram eram promovidas com a assinatura da mesma pessoa tanto na saída dos recursos do paraíso fiscal como na entrada, no Brasil. Em outras palavras, o que parecia ser o país atraindo dinheiro de estrangeiros era, de fato, uma forma de esconder a origem do dinheiro e sonegar impostos.
Mais que a necessidade de se investigar e responsabilizar pública e penalmente os artífices de eventuais ilegalidades da privataria, o livro provoca uma discussão: a do combate à permissividade da legislação brasileira com transações financeiras via offshore. O nome desse tipo de empresa instalada em paraísos fiscais tem origem, não por acaso, no termo em inglês usado para designar ilhas usadas por piratas do século 18 para guardar tesouros.
O fato é que não há motivos para um investimento com dinheiro limpo precisar passar por paraísos fiscais. Esses locais, por não exigirem comprovação de origem nem detalhamento da identidade do depositante, servem amplamente a quem precisa esconder verbas públicas desviadas, manobras de sonegação de impostos ou rendimentos do crime organizado.
Por: Anselmo Massad, Rede Brasil Atual
No final dos anos 1990, Aloysio Biondi, aos 40 anos de profissão, era respeitado no meio jornalístico por não paparicar fontes nem políticos. Costumava guardar recortes de jornais, consultar documentos públicos de bancos, empresas, diários oficiais, fuçar balanços, fazer contas. Crítico do processo de privatizações desencadeado pelo governo de então, as portas começaram a se fechar. Suas colunas na Folha de S. Paulo foram reduzidas, e seu cachê, idem. Seus textos foram parar no extinto Diário Popular e em veículos da imprensa sindical. Antes de morrer, em julho de 2000, deixou o livro "O Brasil Privatizado". “O balanço geral mostra que o Brasil ‘torrou’ suas estatais, e não houve redução alguma na dívida interna”, escreveu.
Esse legado investigativo foi fonte de inspiração do jornalista mineiro Amaury Ribeiro Jr., como ele credita nas primeiras páginas de "A Privataria Tucana", lançado em dezembro. Graças à internet, o livro sobre mazelas políticas do país virou campeão de vendas no fim do ano – e promete ser determinante para a história de 2012.
Recheado de documentos públicos e obtidos em processos judiciais, a reportagem atira para diferentes lados. E pode ter ferido de morte expoentes do PSDB, envolvidos no processo de privatização durante a década de 1990.
Que a venda de estatais foi pautada por convicções ideológicas e interesses do mercado, até os beneficiados por elas admitem. A falta de transparência, a confusão entre interesses públicos e privados e as suspeitas de irregularidades permearam o processo. Reportagens publicadas no período ofereciam farto material – em fontes oficiais, escutas telefônicas e documentos de contas em paraísos fiscais.
A mesma velha mídia que fechara portas a Biondi reagiu com silêncio sepulcral. “Quando peguei a Veja da semana e vi que não tinha nada sobre o livro (risos)... Percebi que demos um nocaute na grande imprensa, na blindagem que têm os tucanos”, disse Amaury Ribeiro Jr., em debate realizado no auditório do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que Biondi também frequentou. O livro só foi mencionado em páginas de jornal e de revista quando apareceu entre os mais vendidos.
A investigação de Ribeiro Jr. começou em 2001, quando, recém-transferido para O Estado de Minas, em Belo Horizonte, foi encarregado de acumular material contra José Serra. A encomenda era proteger Aécio Neves, então e atual presidenciável tucano.
E o caso viria à tona em 2010, quando o jornalista foi apontado como membro de uma suposta “central de inteligência” da campanha petista pela eleição de Dilma Rousseff à Presidência da República. Ele acredita ter sido vítima de uma armação para incriminá-lo, na tentativa de criar uma “vacina” contra uma eventual publicação do livro durante o processo eleitoral.
O jornalista revela documentos que indicam pagamento de Carlos Jereissati – do grupo La Fonte, que venceu o leilão para a compra da Telemar em 1998 – a Ricardo Sérgio de Oliveira.
O ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e tesoureiro de campanhas eleitorais de FHC e de Serra é apresentado como “artesão” dos consórcios de privatização – trabalho para o qual teria sido remunerado “extraoficialmente”. Documentar esse papel é, na visão do próprio Ribeiro Jr., uma das novidades do livro.
O ex-governador paulista é outro dos personagens centrais, tanto por iniciativas de contratar empresas de espionagem com dinheiro público no Ministério da Saúde e no Palácio do Planalto como por ter familiares envolvidos em operações de lavagem de dinheiro. A filha Verônica, o genro Alexandre Bourgeois e o primo de sua mulher Gregório Marin Preciado são os acusados.
Outros personagens carimbados das privatizações também aparecem, e vão além da figuração. Daniel Dantas, dono do banco Opportunity e protagonista dos malfeitos investigados pela Operação Satiagraha, da Polícia Federal, em 2008, é um deles.
São descritas operações ilegais para trazer ao país dinheiro guardado no exterior. Há curiosas revelações relacionadas à sociedade entre a irmã do banqueiro, Verônica Dantas, e a xará Verônica Serra. A parceria na Decidir.com estabelece um elo umbilical entre uma figura cercada de suspeitas e o núcleo familiar do cacique tucano.
Modus operandi
Boa parte das operações descritas pelo autor segue caminho semelhante. Por meio de doleiros, recursos de provável desvio de verbas ou pagamento de propinas é remetido ao exterior. Isso aconteceu em profusão por meio do Banestado, banco estadual paranaense, liquidado em 2000 pelo Banco Central. A lavanderia operada nos quatro últimos anos de existência da instituição incluía passagem pelos Estados Unidos para, depois, aportar nas Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, e outros paraísos fiscais.
Na hora de trazer o recurso de volta, a chamada internalização, simula-se um investimento direto de empresa estrangeira em um empreendimento nacional. Por isso, a transação pouco comove o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Fazenda, que fiscaliza essas movimentações.
Mas a farsa cai diante da revelação de que as operações nas quais os mencionados no livro se envolveram eram promovidas com a assinatura da mesma pessoa tanto na saída dos recursos do paraíso fiscal como na entrada, no Brasil. Em outras palavras, o que parecia ser o país atraindo dinheiro de estrangeiros era, de fato, uma forma de esconder a origem do dinheiro e sonegar impostos.
Mais que a necessidade de se investigar e responsabilizar pública e penalmente os artífices de eventuais ilegalidades da privataria, o livro provoca uma discussão: a do combate à permissividade da legislação brasileira com transações financeiras via offshore. O nome desse tipo de empresa instalada em paraísos fiscais tem origem, não por acaso, no termo em inglês usado para designar ilhas usadas por piratas do século 18 para guardar tesouros.
O fato é que não há motivos para um investimento com dinheiro limpo precisar passar por paraísos fiscais. Esses locais, por não exigirem comprovação de origem nem detalhamento da identidade do depositante, servem amplamente a quem precisa esconder verbas públicas desviadas, manobras de sonegação de impostos ou rendimentos do crime organizado.