POLÍCIA JUDICIÁRIA EM SÃO PAULO

O G1 publicou, no último dia 14, notícia intitulada Polícia investiga apenas 16% dos delitos cometidos em São Paulo”. São dados estarrecedores.


Segundo a Secretaria da Segurança Pública, “De janeiro a setembro de 2008, foram registrados 110.497 crimes violentos (homicídio, roubo, latrocínio, estupro). No mesmo período, a polícia instaurou 70.635 inquéritos – nem todos relativos a esses crimes”.

A Constituição da República Federativa do Brasil determina, em seu artigo 144, que são incumbências das polícias civis estaduais as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais (exceto as militares), e que cabe às policias militares a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. A única ressalva quanto ao tipo de infração penal a ser apurada pela polícia civil é a infração penal militar.
Não me consta que exista qualquer norma que diga: crimes violentos devem ser investigados, outros tipos de crimes podem ou não ser investigados. A apuração de TODAS as infrações penais – exceto as militares – é incumbência - leia-se obrigação legal - da Polícia Civil. No período citado pela reportagem, foram registrados 110.497 crimes chamados “violentos”.
Para que possa ser feita uma análise um pouco mais séria do assunto, algumas perguntas devem ser respondidas:
1. Quantos crimes “não violentos” (existe isso?) foram registrados no mesmo período?
2. Qual a estimativa de crimes efetivamente ocorridos mas não registrados?
3. Dos registros efetuados, quantos são de autoria desconhecida?
4. Do total de inquéritos instaurados no período (70.645), quantos foram instaurados por prisão em flagrante e quantos por portaria?
5. Dos inquéritos instaurados por portaria, quantos foram esclarecidos e relatados na unidade policial de origem, sem remessa para delegacia especializada?
As respostas a estas perguntas nos darão a certeza da absoluta incapacidade da Polícia Civil do Estado de São Paulo para cumprir minimamente com as suas obrigações legais. Chegamos a essa situação após uma seqüência – que hoje me parece ininterrupta – de governadores que não fazem idéia do que seja Segurança Pública, ou, pior, tratam deste assunto de acordo com seus preconceitos ou interesses pessoais.
Além da falta de investimento na qualificação do pessoal, salário, condições de trabalho, equipamento, dependências, etc., etc., etc., algumas imbecilidades são dignas de registro:
• A determinação do Fleury para que todas as viaturas da Polícia Civil fossem caracterizadas;
• A extinção do DEIC pelo Covas;
• O esvaziamento total das chefias dos distritos policiais pelos sucessivos governadores;
• A priorização do que é visível pela população ou formadores de opinião em desfavor do que é producente;
• A estagnação da quantidade de cargos existentes nas diversas carreiras policiais civis, apesar do aumento da população.
Poderia passar algumas horas escrevendo aqui, e ainda assim não conseguiria concluir a lista. Por isso, a concluirei com um sonoro e enorme “eticétera”.
O que temos hoje são distritos policiais cujas únicas atribuições são os registros de boletins de ocorrência (só de alguns tipos de ocorrência) e a lavratura de prisões em flagrante; SIG’s, DIG’s, delegacias, divisões e departamentos especializados que não possuem a menor condição de dar conta de todas as investigações, seja por falta de pessoal, de material, de investimento ou de vontade política dos responsáveis por estas unidades.
Em compensação, o que dá votos recebe toda a atenção do governo e da administração. Os chamados grupos de elite da polícia civil, tipo GARRA e GOE; as escoltas de VIP’s; escoltas de autoridades (juizes, inclusive); rondas ostensivas sem qualquer objetivo concreto; e muitos outros tipos de ações que não têm nada a ver com a Polícia Judiciária, mas são visíveis para a população ou para formadores de opinião, consomem uma quantidade imensa de pessoal e recursos, seja usurpando funções da Polícia Militar, fazendo patrulhamento ostensivo fardado, seja puxando o saco das autoridades.
Como se vê, a incapacidade da Polícia Civil de minimamente cumprir com as suas obrigações está diretamente ligada ao trato que o Governo do Estado dá ao assunto. Mas o problema não se restringe ao governador de plantão. Aqueles que deveriam assessorá-lo nesta área – o Secretário da Segurança Pública, o Delegado Geral de Polícia e o Comandante Geral da Polícia Militar – parecem não ter qualquer interesse em mudar o “status quo”. Ou, pior, parecem também não fazer a menor idéia do que seja a Polícia Civil, quais os seus objetivos e como conseguir implementá-los. Se fazem essa idéia, deixam que interesses políticos superem o direito da população à Segurança Pública.
Porque não é possível ser tão obtuso a ponto de se deixar a situação chegar ao ponto em que chegou, tendo interesse e condições para alterá-la, a não ser que os interesses sejam outros. Um outro ponto a ser analisado é a imensa quantidade de crimes cometidos no estado. Falta prevenção. Ou seja, a Polícia Militar também não cumpre com a sua obrigação de forma minimamente satisfatória. Não fosse esse o caso, não aconteceriam tantos crimes.
Não tenho conhecimento suficiente da instituição Polícia Militar do Estado de São Paulo para me aprofundar em qualquer análise dos motivos que tornam a sua atuação inadequada, mas sei que da mesma forma que recursos da Polícia Civil são desviados para executar funções afetas à Polícia Militar, recursos da Polícia Militar são desviados na tentativa de execução de funções afetas à Polícia Civil. Os famosos P2, por exemplo. Querem fazer investigação. Atrapalham o serviço da Polícia Civil. Mas é só o que sei.
Se somarmos a tudo isso a legislação que, na prática, dificulta muito o nosso trabalho, e o fator cultural que os sucessivos governos conseguiram nos impingir: tolerância quase total com os crimes “de menor poder ofensivo” – totalmente o oposto da tolerância zero, de Nova Iorque – e que registrar ou investigar certos tipos de crime não vale a pena, é perda de tempo...está instalado o caos.
Rubem Alves diz que um país melhor se constrói com um sonho e inteligência. Eu digo que um país melhor se constrói com um sonho, inteligência, honestidade, caráter, vontade e sem politicagem barata.
Enviado via email por Flávio Lapa Claro

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