Referendo na Venezuela: ''Por enquanto não pudemos''
Editorial do Portal Vermelho
O presidente Hugo Chávez agiu com presteza e sabedoria ao admitir nesta madrugada que ''por enquanto não pudemos'' e sua proposta de reforma constitucional foi vencida no referendo deste domingo (2), embora ''por uma diferença mínima''. Esta foi sua primeira derrota em uma sucessão de dez consultas às urnas na Venezuela desde 1ua primeira eleição, há nove anos.
Momentos antes, Tibisay Lucena, a presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), tinha anunciado uma parcial da apuração incluindo 88% dos votos (a Venezuela aderiu à urna eletrônica): No Bloco A das 69 emendas constitucionais, o ''Não'' tinha 4.504.354 votos (50,70%) e o ''Sim'' 4.379.392 votos (49,29%). No Bloco B o ''Não'' contava 4.522.332 votos (51,0%) e o ''Sim'' 4.335.136 votos (48,94%). O resultado, mesmo apertadíssimo, já era irreversível.
''Prefiro assim'', disse o presidente, reeleito 12 meses atrás com 62,8% dos votos, e explicou: ''Minha ética, que vale mais do que tudo, não teria aguentado a dúvida se a vitória, o 'Sim', tivesse ganhado com 0,4% depois de quatro dias de espera''. Os brasileiros que no ano passado viram Luiz Inácio Lula sa Silva ficar a 1,39% de se reeleger no primeiro turno, e em seguida obter a virada do segundo turno, conhecem esse tipo de dilema.
A vitória do ''Não'' surpreendeu os observadores e contrariou até as pesquisas de boca-de-urna, que davam à reforma constitucional uma maioria de 8 a 12 pontos. Também não se deveu ao baixo comparecimento eleitoral, muitas vezes problemático na Venezuela, mas que dessa vez superou 55%. E nem a uma baixa na popularidade de Chávez, que permanece com taxas de aprovação em torno de 60%. As forças que se empenharam na reforma, como o PSUV (Partido Socialista Unificado da Venezuela, recém fundado por Chávez) e o PCV (Partido Comunista da Venezuela), se debruçam agora sobre os resultados e suas causas.
A contagem foi inesperado inclusive para a oposição conservadora venezuelana, que até o penúltimo momento ainda se debatia entre a campanha pelo novo no ''Não'' e o boicote ao referendo. Fragmentada, abatida por sucessivas derrotas, desmoralizada por suas tendências a cair na tentação do golpe e da violência, não se exclui que ela tenha uma recaída e interprete o ''Não'' à reforma eleitoral como um ''Não'' a Chávez. Este, com sua veia irônica, disse esperar que ela saiba “administrar bem” o resultado.
No mesmo discurso onde reconheceu que que ''por enquanto não pudemos'', o líder bolivariano proclamou que ''seguiremos na construção do socialismo, nos marcos que a atual Constituição nos dá''. Disse que ''estamos preparados para uma batalha longa'' e que ''não retiro nem uma só vírgula desta proposta, esta proposta continua viva''.
O referendo de 2 de dezembro confirma que revolução e o socialismo, mais ainda nas condições da América Latina do século 21, não são causas fáceis e nem percorrem um trajeto em linha reta. Dependem de muita consistência programática e organizativa, ousadia e tino político, raízes fincadas no povo trabalhador, na juventude e outros segmentos de massas, capacidade de acumular forças com os êxitos e também de assimilar os revezes, tirando lições. Aí estão as nuvens carregadas de golpe e separatismo, na Bolívia, e as tentativas de ignorar o voto da maioria no Equador, para não tomar exemplos do próprio Brasil.
Em todo o continente, as forças oligárquicas e reacionárias estão na defensiva, mas não entregam os pontos. Contam com seus poderosos aliados do Norte, enxergam as transformações progressistas como o fim do mundo e farão de tudo para impedi-las.