Meu depoimento, pelos 28 anos da Lei da Anistia
Escrito por Guina
em 27 de ago. de 2007
Por Jussara Seixas - Por Um Novo Brasil
Quem viveu os anos de chumbo, os anos da ditadura militar, sabe o horror por que passou. Não foi preciso estar nos porões da ditadura, não foi preciso ser preso e torturado e ter sobrevivido para ter bem claro na memória o que foi esse triste e vergonhoso episódio da nossa história.
Apesar de termos sido ostensivamente vigiados e seguidos ao longo de parte do ano de 1972, não fomos presos porque meu pai era oficial reformado da PM (capitão) e mantinha antigas e boas relações no comando do QG.
Homem honrado e muito respeitado, esteve na OBAN para interceder por um amigo preso, cuja esposa desesperada tinha acabado de dar à luz seu primeiro filho. Fomos com ele, eu e ela, mas não entramos no prédio, ficamos aguardando em um banco próximo da guarita. Ouvimos gritos de dor que vinham do interior do prédio. Choramos e fomos desrespeitadas com palavras de baixo calão por um grupo de policiais que entravam no pátio; não sabiam quem éramos ou o que estávamos fazendo ali e mesmo assim nos ofenderam.
Quando meu pai deixou o prédio, veio acompanhado de um oficial do exército de nome Bismark, nome de guerra, que nos cumprimentou e garantiu à esposa do meu amigo que ele estava bem. A partir daquele dia meu prédio não foi mais vigiado, não fomos mais seguidos ostensivamente.
O nosso amigo havia sido torturado e foi solto uns dias depois. Ele não abandonou a luta pela democracia, pela liberdade, por justiça social, está nela até hoje. Muitos de nossos amigos foram presos e torturados barbaramente, e viram outros amigos serem mortos com requintes de crueldade nas dependências da OBAN.
A tortura era física e psicológica, quase diariamente recebíamos noticias dos amigos presos e mortos. As famílias -- esposas, filhos, pais -- ficavam em desespero, sem noticias dos haviam sido presos pelo regime militar. Para onde foi levado, onde estava, o que estava acontecendo.
Não havia informação, explicações. Se eram informados do paradeiro, não recebiam notícias do que estava ocorrendo. As visitas eram proibidas, e quem se aventurava a pedir notícias ainda sofria ameaças dos algozes. Quando mortos, as famílias não ficavam sabendo onde estavam enterrados os corpos; e quando os corpos eram entregues às famílias, os laudos do IML eram falsos e encobriam a verdadeira causa da morte: torturas, espancamentos, asfixia, tiros a queima roupa.
O atestado de óbito, visivelmente adulterado, não podia ser contestado. Não adiantava contestar, na época ninguém dava ouvidos, e os familiares ainda sofriam ameaças do regime. Se estávamos em locais público, em algum estabelecimento, restaurante, na praça, no trabalho ou na universidade, nos assustávamos com a chegada dos policiais. Cercavam a área e quem estava dentro não saia. Começava então o horror das revistas, as inquisições e ameaças. Até os táxis eram parados e seus ocupantes revistados, sempre com muita truculência.
Vivíamos o tempo todo em sobressalto nos cinemas, nos teatros, na faculdade, nas ruas, no trabalho, em casa. A censura imperava e os jornais só noticiavam o que os mandantes do regime militar autorizavam.
Muitos empresários, inclusive da mídia, advogados, industriais, jornalistas, políticos, religiosos e artistas apoiaram a ditadura militar.
Apóiam até hoje. Disfarçam, dizem que são a favor da democracia, da liberdade de expressão, da justiça, contra a desigualdade social. Enganam jovens e pessoas que não viveram o lado escuro desse período da nossa história, mas não enganam quem viveu, não enganam quem sabe bem o horror que de fato ocorreu.
O atraso gigantesco que sofreu o nosso país, a miséria que se instalou para a grande maioria do povo brasileiro, a imensa desigualdade social, a fome, a miséria de cultura, de educação, habitação, saúde, saneamento básico.
Esses movimentos que a mídia enaltece agora, "cansei"- "fora Lula", são patrocinados pela elite remanescente daqueles tempos, saudosistas da ditadura militar porque foram muito bem agraciados, financeiramente e com poder, pelo regime que seqüestrava, torturava e assassinava.