35 anos de histórias da Guerrilha do Araguaia

Por Myrian Luiz Alves, jornalista, pesquisadora

Neste dia 12 de abril, comunistas, simpatizantes, progressistas e todos aqueles que procuram conhecer a história recente do Brasil relembram a batalha conhecida como Guerrilha do Araguaia.

Há 35 anos, a região sudeste do Pará, o norte do atual estado do Tocantins, o sul do Maranhão, áreas do Mato Grosso, grandes cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo viram cidadãos serem caçados a ferro e fogo porque ousaram enfrentar o poder de Estado. A audácia era o pensar.

É esse e não outro o motivo principal da ação desencadeada em 28 de março de 1972, e não no dia 12 de abril, por agentes da Marinha e do Exército. Haviam detectado, após pelo menos dois anos de procura, a presença de militantes do Partido Comunista do Brasil em área amazônica.

De uma noite para outra, milhares de militares transformaram a pacata realidade de pelo menos dez povoados e municípios da região, no cenário dantesco de uma vida entre o purgatório e o inferno. Isso duraria até janeiro de 1975 e também nos anos vindouros, porque a região se transformaria em palco de conflitos de terra e de garimpo.

Àquela área do Norte, o PCdoB enviara, desde 1966, vários militantes e dirigentes. Da mesma forma, outros militantes e dirigentes viveram por muitos anos clandestinamente em muitas cidades do interior dos estados do Ceará, Piauí e Rondônia. São muitas as histórias ainda não relatadas. Para a região do Araguaia, havia retaguardas e portas de entrada, por exemplo, no Maranhão, áreas também receptivas aos militantes da Ação Popular, Var-Palmares, Ação Libertadora Nacional, remanescentes de Trombas e Formosa (GO), além da antiga militância local, ligada ao PCdoB e ao Partido Comunista Brasileiro.

A primeira ação de fato militar na região sudeste do Pará seria a Operação Carajás, em Marabá (PA), hoje a terceira maior cidade do estado, ainda em 1970. Bombas napalm foram jogadas na praia de Tucunaré, bem em frente à parte pioneira da cidade dos antigos castanhais.

Quando, em 1966, Osvaldo Orlando da Costa pisou em terras paraenses sentiu-se em casa. Era região de minério, de ouro e diamantes. Estudara o tema na Tchecoslováquia e nas minas da Chapada Diamantina (BA). Paulo Mendes Rodrigues, economista, quadro gaúcho do partido, instalara-se na área de Conceição do Araguaia (PA). Um antigo militante, Zé Francisco é um dos seus contatos, em São Geraldo (PA). Logo, Paulo receberia o operário e jogador de futebol Daniel Ribeiro Callado, o Doca. Em 1967, Osvaldão e Manuel José Nurchis, quadro paulistano do PCdoB, garimpavam juntos nas minas do Itamirim (PA). Daniel trabalhava na loja de Paulo, que, além de possuir um barco, viveria sempre como patrão na área da futura guerrilha. Fazendeiro de meia, auxiliar das contas dos moradores, ajudou a formar, como se vê por lá, quadros atuais da política regional. Seria, posteriormente, o primeiro comandante do Destacamento C, mais próximo à São Geraldo (PA) e Xambioá (TO). Entre Conceição, São Geraldo e Xambioá, Paulo é o nome mais conhecido da Guerrilha. Políticos da direita o procuravam para apoio político, o que “ele negava”, afirmam até hoje antigos sindicalistas rurais.

No natal de 1967, o município de São João do Araguaia (TO), onde as águas do tributário Araguaia se encontram com o rio Tocantins, recebeu o jovem ítalo-brasileiro Líbero Giancarlo Castiglia e a dirigente Elza Monerat. A tia Maria, do Joca. Logo, aportava também na localidade de Faveira, Maurício Grabois, o Mário. Neste local, onde constituiriam um pequeno comércio, parte do comitê central do PCdoB, passaria a organizar a área que poderia ou não transformar-se em palco de uma luta contra o Estado, e desta vez, realmente de farda, não mais como acontecera durante o Estado Novo, em delegacias policiais, a mando de Filinto Miller. Ex-integrante da Coluna Prestes, Miller era raivoso em sua perseguição, tortura e morte aos antigos companheiros, alguns, já na década de 1930, militantes comunistas.

Após a barbárie contra jovens e militantes experientes de esquerda nas cidades, entre o final da década de 1960 e o início da de 1970, militantes comunistas e da juventude católica são perseguidos em áreas rurais. O pouco desenvolvido interior do Maranhão era uma área fértil para o trabalho de base. Em 1971, a Operação Mesopotâmia é desencadeada em Porto Franco, Imperatriz e outras cidades do sul maranhense.

Franco, porque sempre permitiu a entrada de rebeldes rurais goianos, o município de caráter político progressista, e também com influência da maçonaria, viu passar muitas lutas, desde aquela contra o padre João, na época do Império, que fechou as escolas criadas por maranhenses em Boa Vista, atual Tocantinópolis, cidade de frente a Porto Franco. Em 1967, João Carlos Haas Sobrinho, o futuro comandante Juca, fundaria o primeiro e único hospital de todos aqueles povoados e municípios do sul do Maranhão e norte de Goiás. Em frente à sua casa, na rua Rio Branco, moraram também Mário, Zé Carlos e Gilberto, vendedores de quinquilharias para cozinha, como fogões de duas bocas e panelas de alumínio. Entre 1967 e final de 1968, o ex-líder da bancada comunista na Assembléia Constituinte, Maurício Grabois, divertia-se, nas horas vagas, cortando o cabelo dos meninos de Porto Franco, tarefa que também desempenharia na Guerrilha, já como o comandante-geral Mário. Seu filho, Zé Carlos (André), treinava todo dia às 15h um futebol perto das margens do rio Tocantins com os jovens da cidade. No intervalo, atravessavam a nado até uma ilha e tiravam a seqüência da partida. Gilberto Olímpio Maria, o melhor no futebol, que às vezes contava com o doutor João Carlos, era o que menos permanecia na cidade. Tinha um Jeep e não disfarçava que era intensamente paquerado por algumas mulheres da região. Era um homem atraente, lembrava o Eder Jofre, famoso no boxe daqueles tempos.

A Mesopotâmia, porém, não registra a presença de nenhum desses quase ilustres moradores, que deixariam memória e amizade. O doutor João fez história, é reconhecido e admirado por gerações que nem o conheceram. Aquelas que com ele conviveram também não permitem esquecer. Seu nome será o Ponto de Cultura e o Centro Desportivo da cidade, que, há alguns anos, dedicou o centro cirúrgico do hospital municipal em sua homenagem. O hospital de São João do Paraíso, ex-distrito de Porto Franco, hoje município, recebeu também o nome do primeiro médico-cirurgião.

O gaúcho de São Leopoldo fez muito por merecer, no Maranhão e no Pará, além do Rio Grande do Sul, onde presidiu a União dos Estudantes Gaúcha em 1964, ano de sua formatura em medicina. Em Porto Franco, sua ex-auxiliar, dona Dejacir, disse a esta pesquisa que “O doutor João Carlos podia não acreditar em Deus, mas Deus acreditava nele”.

João Amazonas lembrou também a esta pesquisa, por telefone, em 2001, que os companheiros chamaram a atenção de Juca, por ele ter o hábito de não pensar duas vezes antes de socorrer alguém, mesmo que isso colocasse em perigo a situação dos companheiros, na região do Pará. Afinal, ao sair de Porto Franco, o doutor João Carlos adquirira fama num extensa área a apenas 150 quilômetros de São Geraldo, onde Juca moraria com o fazendeiro Paulo e, futuramente, com o ex-vice-presidente do Diretório Acadêmico da Universidade Federal do Ceará, Bérgson Gurjão Farias, o Jorge, futuro líder do grupo Esperancinha, do C. Sabendo que ele teria sempre a medicina em primeiro lugar, Juca recebeu a instrução para ser apenas “enfermeiro”. Poucos dias após sua chegada, porém, dizia Amazonas, o comandante médico-militar da guerrilha já era chamado de “doutor Juca”.

Logo, chegariam Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina, e Antonio Carlos Monteiro Teixeira, na área do C, em São Geraldo, onde também moraraia posteriormente o casal Arildo Valadão e Áurea Elisa Pereira. Um grande amigo de Dina, ainda da Bahia, Rosalindo Souza, optou por montar base de apoio, o chamado PA, na área periférica daquele povoado. Entre 1969 e abril de 1972, muitos outros militantes passaram a compor os destacamento A, B e C.

O A baseava-se entre Marabá e São Domingos, interiorizando-se para São João e Brejo Grande, antes da Palestina, região do B. Por sua riqueza natural, embora com as mazelas das doenças tropicais, uma população razoável morava nas matas. O sudeste do Pará, com seus castanhais e água farta pelos igarapés e rios, passara, então, a ser refúgio e área de preparo contra a ação anticomunista e imperialista, responsável, pelo assassinato, prisão e tortura, durante as décadas de 1950 e 1960, de centenas de comunistas e socialistas no Caribe e na América Central. Em algum momento, sabiam os militantes, a repressão chegaria por lá.

Não havia, naquele momento, razão segura para seguir para os grandes centros. A tática imperialista, alicerçada na Operação Condor, na América do Sul, principalmente, era a de “eliminação” de comunistas, como afirma o relatório da Operação Marajoara, em março de 1974. A decisão incluía a morte do PCdoB e da AP. Em 1975, muitos militantes do Partido Comunista Brasileiro, que se posicionava contra a luta armada, também seriam perseguidos e mortos.

Saiba mais aqui:
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=16201

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1 comentários

  • Anônimo  
    13/9/10 12:56 AM

    pergunto, depois de muito tempo, se por um acaso os comunistas tivessem saidos vitoriosos,como seria o Brasil hoje, tipo a França,
    ou digamos parecido com a Suissa ou
    hoje nos estariamos vivendo como os cubanos, talvez como os Russos,
    dificil prever, o certo é, que naquela época, existiam velhos sonhadores, como Amazonino, Velho Mário,e outros, que pensavam que o comunismo era uma coisa bôa para o Brasil, mas o que se viu é que não era bom, e não é bom pra ninguém, tanto que os paíse comunista hoje vivem isolados, as forças armadas fizeram bem em combater, sim fizeram, depois de muitos anos, esses mesmos que se diziam comunistas, se alojaram em diversas siglas (PT,PMDB até no PSDB e outras) e no que deu, a mesma corrupção, Genoino,Ze Dirceu
    Palocci,Gushiken, eu acho que muda o rato,o queijo continua o mesmo, se vão publicar(Desculpem, o meu teclado não tem Interrogação)nção sei, mas esse é meu pensamneto.

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